Visitas da Dy

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Sem conta



Amanheceu em mim um tanto de pedaços.
Eu que não sou dada às contas,
Não farei conta se algo me faltar.
O meu coração parece ter sido feito em cacos,
Cintilantes brilhos vistos de meu olho.
Planetário, observatório:
Contemplando estrelas distantes:
Gotas de meu amor derramado pelo chão.
Não, não há nada de todo o mal.
Não há nada de todo sério.
É só mais um passo.
Trôpego, eu sei, mas o destino é esse:
Um toque de “não me leve a mal,
Não me leve a sério”,
Por mais que, no fundo, eu só pensasse em dizer “me leve”.
E fui leve na passagem do tempo.
Fui o que podia ser,
Alegre verão, mesmo preferindo outono.
Fui passarinho,
Aprendi com o poeta que os problemas passarão.
E meu coração, atropelado,
Na contra mão, em desvantagem,
Sem passe livre, foi deixado ao chão,
Pobre vítima da queda livre da paixão.
Afogado num copo qualquer
Jogado da borda de uma taça,
Misturado ao vinho-sangue que bebi.
Machuquei-me de leve
E não faço conta da cota que paguei:
Valeu o sabor da bebida.
De resto, a vida me apanha ali na estrada,
Em seguida.
Como quem não quer nada,
Como quem me quer bem.
Como quem me sabe companhia
E vai me levar por aí,
Sem me exigir pouco mais que atenção.


domingo, 14 de janeiro de 2018

Tradução




Não era muito de conversas, assim como também não era tanto de silêncios. Era uma espécie de entardecer, com cores palidamente cintilantes e um ar contemplativo que permite um ou outro som sem que se quebre o encanto. Tinha um tanto de alegrias represadas pelos seus olhos escuros de noite e emoldurada por um castanho que lhe escorria do alto aos ombros.
Conheceu a aurora nas folhas mais brancas que poderia, manchadas por linhas azuis. Céu às avessas ao qual também, ao contrário do que deveriam, suas palavras passaram a pousar e não a voar. Na pouca idade, escrever era algo que oscilava entre treinos de caligrafia e um esforço de manter-se acordada naquele mormaço que a vida lhe parecia. Nem alegre nem triste. Uma vida.
Ainda não se sabia poeta. Essas descobertas demoram. São frutas que amadurecem em tempo certo. Em dores certas. Em risos certos. Em encantamentos adequados. Pensava-se só solitária, ainda que os cômodos estivessem cheios.
Respirava livre quando estava em fuga: ultrapassando as fronteiras de uma dimensão além, alcançada dentro de capas, de tamanho tão bom que cabia nas mãos. Portais mágicos, à toda época, passaram a se chamar livros.
Custou a colher-se poesia, a escrever os frutos maduros, abandonar seus verdes. A traduzir-se em vermelhas expressões, com sabores ora adocicados de sonhos, ora doloridos em construções gris como prédios de cidades grandes. Demorou a dar-se aos furtos dos sentimentos alheios para lhes doar finais ou rimas. Foi tudo muito devagar, tartarugas no pensamento. Foi reticências, margeando suas dúvidas tontas sem tanger, um minuto sequer, a certeza de ser.
No fundo, gostava mesmo da inconstância do estar ou não estar e,por isso, preferia apenas dizer que fazia reuniões nas madrugadas: reunia as palavras, os sentimentos, os esboços, os afetos e domava todos na arena do caderno de anotações para que, ali, decidissem seus destinos: declamações, exposições ou silêncios.
Venceram os gritos, as grafias fortes, riscadas em papeis receptivos: os versos soa vivos, alados, clamam por sua liberdade e pedem para serem lidos, ouvidos. E ela descobriu-se quase como que a libertadora. Chave mestra das gaiolas que os continham.
Quase perdia, já vencida, aceitou seu papel definitivo: transcrever os versos que lhe eram como açoites e se sussurravam aos ouvidos.
Ainda flerta pouco com as conversas e com os silêncios, mas agora sabe-se não mais sozinha, não mais deslocada. Encontrou seu lugar entre-linhas.


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

De Borboletas e Mar



Eu sei o que é segurar, na ponta os dedos, luzes. Sei o que é espalha-las com um sopro nos lábios como se fossem orações em línguas que não domino, porque sou versada apenas em silêncios e sussurros.
Sei o que é sentir-me sob olhos-holofotes, ser o centro das atenções de um mundo inteiro e único e desejar não sair dali, por mais que tremesse, por mais que perdesse o rumo, porque a consciência insistia em dizer que tudo é breve.
Sei o que são os quereres, as coragens dos abandonos e desistências, as delícias de sair sem mapa, sem destino e fazer histórias lindas com grãos de areia que voarão e levarão um pouco de mim onde não posso chegar.
  Eu sei onde errei e cada tentativa que chamaram de acerto, embora eu mesma não esteja certa se, de fato, há essa certeza, esse ponto exato de se ser e estar.
Eu sei que às vezes é preciso o grito, mas tenho preferido os silêncios companheiros das canções gravadas ao longe e que me invadem, porque elas me acolhem como abraço amoroso quantas vezes eu quiser, sem que haja a necessidade da explicação.
Eu sei que o descanso é necessário, o pouso, a entrega, a doação, mas, por ora, estou bem sendo passageira, nuvem, vento, desequilíbrios, partidas e vôos cegos.
No fundo, experimentei certezas que nasceram em meus sonhos, bateram à minha porta e explodiram-se incertezas como as luzes que um dia segurei nas mãos, mas espalhei por aí com um sopro, entre sorrisos, fazendo valer a máxima de que a liberdade aproxima e, de fato, foi assim que aproximei-me de mim e cresci e reconheci o rosto no espelho... aqueles olhos... aquele brilho no fundo dos olhos.
Só quando soube que as asas das borboletas não devem ser tomadas entre os dedos e que elas, as lepidópteras, pousam em minha mão quando se sentem seguramente livres é que percebi que não nasci para as raízes, mas para as navegações azuis em céus dourados de por de sol.

Não desejo um cais para atracar, mas depois do caos de todo o mar, gosto de descer à praia e saltar ondas, voar nas espumas, dormir na areia e (re)partir meu fôlego de vida e aprendizados. Gosto do vai-e-vem, do inesperado. 

sábado, 6 de janeiro de 2018

Retina




Pelas lentes do fotógrafo, o tempo para. Congelam-se a felicidade, os sorrisos, os abraços, as emoções.
Cabe à fotografia a função de ser a chave da caixinha de memórias. Dispositivo mágico, de teletransporte, que me leva ao passado num fechar de olhos. Que me faz reviver o toque. Que me invade com o perfume daquele abraço, que morou por tantos dias na camiseta que eu relutei em lavar.
Quando abro um álbum de fotografias, é como se eu abrisse uma parte de meu coração. Tenho acesso livre àquele dia de sol, ao banho de chuva, ao café que queimou a língua, à música que eu dancei e nunca aprendi a letra.
Quando não posso contar com os artifícios de uma mágica captura fotográfica, uso minhas retinas, torcendo para que elas não me abandonem, não falhem. Torcendo para que elas imprimam em mim aquelas emoções cotidianas tão fortes que eu possa lembrar-me delas quando fechar os olhos.
É por isso que, quando tenho saudades, gosto de ficar no escuro, como se ele fosse uma tela de cinema na qual desfilarei meus momentos acumulados ao longo das experiências.
É no escuro que acesso meus cantos empoeirados, minhas represas de lágrimas contidas, minha coleção de gargalhadas bobas. E é ali, no escuro, sozinha, que eu rio, choro, gargalho, me abraço, me acolho, me nino, me cresço.

Fotografo e tatuo em mim, com minhas retinas, tudo o que me afeta para que eu não me esqueça que, embora os dias possam parecer áridos e cansativos, é à noite que entro num oásis de embalos emocionais que valem a pena e me revigoram e me renovam as esperanças.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Oferta



Eu não lhe ofereci amor.
Aliás, nem gosto quando usam essa palavra para essas relações impessoais.
Acho cansativo. Eu lhe ofereci corpo, suor, meus fluidos escorrendo no canto de sua boca.
Ofereci minha energia. Uma troca. Agora, nada de ligar, de abraços ou sentimentalismos. Pegue sua camisa e saia.
Saia antes que eu desista. Antes que eu queria ficar com ela, a camisa, pra lembrar de seu cheiro, de seu toque. Pra lembrar que eu já coube no seu peito. Pra deixar mais forte as marcas invisíveis que ficaram em minha pele.
Saia antes que eu me descubra um ser apaixonado.
Nunca prometi amor. Nem o neguei.

Bata a porta. Adeus. E não me esqueça.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Romã




Os azuis enchem os olhos
Tal qual suas formas enchem meus pensamentos
Desliza a folha com o vento
Como minha mão por sua cintura
Eis que perco-me em sua curva
E nenhuma paisagem tem mais importância.
Estamos como que perdidos em vontades,
Labirintos de desejos, sem Ariadne.
O que falta para que pouse em meu braço?
Há romãs frescas sobre a mesa,
Seus encantos vermelhos invadem a casa
Seus aromas quentes passeiam ao pé do ouvido
Estendo a mão, convite para dança...
Ouça o qanum e se desfaça em transparências
Eu lhe espero, telúrica visão.
Quando romperá os limites do tempo?
Eu lhe quero no desafio de equilíbrios,
Em pontas de pés e rodopios
Eu lhe quero moldura em meu pescoço
Porque o mundo lá fora me cansa
E penso que só você, personificação do novo,
              Trará o cansaço morno e manso
               De quem venceu mais um dia.
               E eu desenho cenários lindos,
               Mas se você não vem,
                  Nada disso importa aos olhos que miram além

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Amar o próximo




Ouviu cada palavra saída daquela voz pouco cadenciada e preguiçosa. Fez de seu colo o divã.
Era atenta aos sinais mais sutis e, no fundo, só estava confirmando o que já sentira: não era pra ser.
A cada volta, a cada lamento, a cada desejo veementemente declarado, ao mesmo tempo em que se lisonjeava, se entediava.
Desde que o beijara sob aquele sol quente sabia que não tinha se apaixonado. Eram tonturas causadas pelo calor, naquela quase insolação amenizada pela cerveja-gelada-amém.
Ela queria experimentar todas as nuances que fossem possíveis, mas sabia que tudo não passaria de chuva de verão. Talvez momentos caldalosos, mas breves. Talvez sentimentos tórridos, mas  insipiente.
Dito e feito, ali estava ela diante de um amontoado de "e agora?", de "não sei o quê", de "não é agora". Tornara-se paciente. Ouvia. Em seu íntimo até lamentava: poderiam ter se divertido. Se desbravado. De certa forma, até se amado, mas, uma vez que seu corpo havia se transformado em divã, nunca mais seria cama ardente.

Ouviu tudo o que podia. Sorriu. Guardou-se na bolsa junto com seu orgulho, seu bem-querer e suas vontades de dezembro. Seguiu pela porta. Ignorou os telefonemas. Abriu uma cerveja e resolveu seguir um mandamento sagrado: amar o próximo.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Mercê




Só eu era tudo, grito mudo e sem eco.
O nada não reverbera,
Não reflete, não vinga.
Fiquei à míngua,
Lamento e sussurro...
Mas seu nome ainda me assombra:
Pena minha, silêncio meu,
Não falo mais nem ouço seu bom dia.
Calaram-me seus lábios...
Tenho sede de suas palavras.
Tenho fome de seus beijos.
Tenho calafrios nas noites mais quentes:
É a falta que me faz o corpo seu,
A lenha que me trazia para abrasar o corpo
O aperto, antes nos braços, agora é só em pensamento
E ainda assim me invadem emoções.
Ainda assim eu me sinto viva.
Pulsam em mim as mesmas sensações de antes,
Mas agora, definho entre os lençóis
Em que já reinei enquanto você me chamava:
- Minha.
Estou à mercê do tempo
E sequer reivindico uma brevidade

Acostumei-me com o vazio.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Concreto e pó



Então, eu posso não ser a luz que você imaginou. Posso ser apenas uma miragem, uma alucinação, uma invenção junto a suas imperfeições (e às minhas).
Então, se eu tiver aprendido a mentir ou se estiver errada, meu caminho o levará para a minha escuridão e você pode se perder lá, pode não saber se encontrar.
Não há tijolos dourados no caminho. Há curvas. Há pedras. Há as minhas pegadas, as sombras das minhas vontades, o vale dos ecos do que já quis e fui. Há espelhos quebrados pelo chão. Há minhas palavras ao vento, como os sons dos poetas, um pouco longe de ser o canto da sereia, mas capaz de envolver almas distraídas.
Mas, se eu puder pousar e descansar, que seja essa noite, nessa cama, nessa companhia, fuga minha para o reencontro meu. Se eu puder escolher os braços que me envolverão, que eles sejam atrelados ao nome seu. E, por limitadas horas, não pensarei nos caminhos da fuga, mas no bem estar de ficar.
Eu sei, pareço perdida, mas já me encontrei. Pareço caderno em branco, mas sou livro antigo, marcado por histórias e fins e recomeços e tropeços e cheiro de jasmim.

E eu não sei se estou certa ou errada. Eu não sei se essa luz que enxerga é minha, porque desse lado do espelho eu sou comum e, do outro lado, sou ilusão. As duas faces da mesma pessoa: concreto e pó.